Com base na proposta de Reforma Tributária aprovada na Câmara, a alíquota efetiva do novo tributo brasileiro para taxar o consumo de bens e serviços ficaria em 28,4%, aponta nota técnica do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Seria a maior do mundo para um IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Hoje, a maior do gênero é a da Hungria, de 27%.
A alíquota brasileira vai ser definida em lei complementar. A expectativa inicial era que ficasse em 25%, mas efeitos de regimes favorecidos, alíquotas reduzidas e isenções incluídas no texto antes da votação pela Câmara devem pressionar por uma alíquota maior.
O estudo do Ipea é o primeiro a medir os possíveis efeitos da reforma, a partir do cruzamento de dados da Receita Federal para a arrecadação setorial e as exceções negociadas pelos deputados, tomando o cuidado de manter a carga tributária.
Os detalhes da simulação constam na Carta de Conjuntura intitulada “Propostas de Reforma Tributária e seus impactos: Uma avaliação comparativa”, do pesquisador João Maria Oliveira, que acompanha de perto o andamento do texto no Congresso.
Oliveira trabalha com modelos de projeção e usou a técnica para mostrar os impactos da revisão tributária na economia nacional, avaliando efeitos sobre crescimento, emprego e produtividade, por exemplo.
Os parâmetros de dois cenários tiveram como base as reformas apresentadas em duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição): a PEC 45, com IVA único e nenhuma exceção, que entrou pela Câmara e previa alíquota de 25%, e a PEC 110, com dois tipos de IVA, apresentada no Senado, com alíquota de 26,9%.
Para o terceiro cenário, Oliveira projetou a alíquota a partir da proposta negociada na Câmara. A estimativa mantém a carga tributária atual e considera os efeitos de regimes favorecidos, alíquotas reduzidas e isenções que foram incluídas no texto até uma semana antes da votação pela Câmara -o que elevou a alíquota para 28,4%. As exceções inseridas de última hora não entraram nessa conta.
Para Oliveira, a conclusão óbvia é que, quanto mais exceções forem oferecidas, maior será a alíquota efetiva para quem fica fora da exceção.
Manter os benefícios da Zona Franca de Manaus e Simples foi o que mais pesou para elevar a alíquota, explica Oliveira, mas também fazem diferença exceções para setores muito demandados, como transporte.
Mesmo que fosse mantida em 25%, a alíquota ainda seria elevada para a média mundial. Esse é o percentual na Dinamarca, Noruega e Suécia, considerados Estados de bem-estar social, que oferecem serviços públicos de primeira linha. Em países com reformas mais recentes, a alíquota costuma ser bem menor, caso de Austrália, com 10%, e Nova Zelândia, com 15%.
Oliveira pondera que, ainda assim, as projeções confirmam que a reforma vai mudar radicalmente, para melhor, o ambiente de negócios no Brasil.
Em todos os cenários, por exemplo, há crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). O melhor resultado ocorreria com a PEC 45, que teve entre os autores o economista Bernard Appy, hoje secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda.
Considerando o cenário em que a proposta da PEC 45 começasse a valer em 2027, o PIB teria um crescimento adicional de 5,7% até 2036, gerado pelo impacto das mudanças nos tributos.
Oliveira diz que essa deveria ser a reforma ideal, mas não foi politicamente viável.
No caso da PEC 110, o crescimento seria de 4,48% até 2032, quando o estímulo perderia fôlego. O texto que saiu da Câmara aponta que o crescimento nesse mesmo período seria de 2,39%.
EXCEÇÕES ACIMA DA MÉDIA GLOBAL
Conceitualmente, o Imposto de Valor Agregado costuma ser um só e valer para todos os setores, com poucas exceções. A versão brasileira será dual -haverá um para a União, e outro para estados e municípios — e o número de exceções extrapolou o usual.
O IVA brasileiro não chega a ser uma jabuticaba, mas tem particularidades, explica a portuguesa Rita De La Feria, professora de Direito Tributário na Universidade de Leeds, na Inglaterra. La Feria acompanha reformas no mundo todo, incluindo o Brasil. Já participou de audiência no Congresso sobre o tema. Em alguns países, como Portugal, Timor Leste, Angola e Uzbequistão, atuou na elaboração da legislação tributária.
Segundo La Feria, o IVA vai ser uma revolução para o sistema do Brasil, pois adota as melhores práticas em vigor, vai permitir que o brasileiro saiba o que paga e foi adaptado às condições federativas locais, o que não era uma coisa fácil de resolver, pois o país tem três níveis de governo, algo incomum.
Porém, não há muitas experiências no mundo com o IVA dual. A mais notória é a do Canadá. Mesmo Alemanha e Espanha, que têm sistemas federativos, adotam o IVA único. O Brasil vai sentir o efeito disso ao longo dos anos.
A maior diferença, no entanto, é o número de exceções. O Brasil já tem uma das maiores cargas tributárias do mundo, e ninguém esperava uma alíquota muito baixa na largada da reforma, mas as exceções pioraram o cenário.
As exceções nos novos IVAs, explica, são concentradas em poucos itens considerados de difícil tributação. Caso do spread (diferença entre a taxa de captação e dos empréstimos) de bancos, algumas transações imobiliárias e serviços públicos de saúde e educação.
Entre os segmentos que levam isenções costumam estar serviços postais, transporte de doentes e projetos culturais.
La Feria conta que, no aspecto das exceções, o IVA do Brasil fica mais parecido com os modelos antigos.
Ela explica que é o caso dos IVAs europeus, que têm muitas exceções, isenções e taxas reduzidas que foram sendo criadas ao longo dos anos e que, por isso, agora têm alíquotas maiores. Essa foi a reforma politicamente possível no Brasil e o esperado é que o Senado não aumente as exceções, pois quanto menor a base da tributação, maior a alíquota.
O Ministério da Fazenda já está mapeando itens para debater no Senado na tentativa de reduzir a pressão sobre a alíquota, mas mantém o discurso com valores menores.
FONTE: IPEA