Por que as religiões de matriz africana ainda são o principal alvo de intolerância no Brasil

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn
Tumblr
WhatsApp

Relatório revela que racismo estrutural e avanço neopentecostal impulsionam violência; ataques a terreiros e praticantes ocorrem diariamente

Dados mostram que mais de 70% dos 1.014 casos de ofensas, abusos e atos violentos registrados no Estado do Rio de Janeiro entre 2012 e 2015 atingem praticantes de religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé.

O levantamento, realizado pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR), reacende o debate: por que as religiões afro-brasileiras seguem como as mais atacadas no país?

Casos recentes ilustram essa violência. Em junho de 2015, a menina Kaylane Campos, de apenas 11 anos, foi atingida por uma pedrada na cabeça enquanto voltava para casa, na Penha, Zona Norte do Rio, vestindo trajes religiosos do candomblé. No mesmo ano, em Brasília, um terreiro foi incendiado — o 12º ataque semelhante registrado no Distrito Federal desde o início daquele ano.

Racismo estrutural e avanço neopentecostal

Especialistas apontam duas principais causas para essa realidade: o racismo histórico, enraizado desde a escravidão, e a atuação de grupos neopentecostais que, nas últimas décadas, reforçaram a demonização das religiões afro-brasileiras.

“Os afro-brasileiros são discriminados e tratados com preconceito justamente por serem de uma tradição africana. O racismo é causa fundamental do preconceito ao candomblé e demais religiões de matriz africana”, afirma Francisco Rivas Neto, sacerdote e fundador da Faculdade de Teologia com Ênfase em Religiões Afro-Brasileiras (FTU), única do país reconhecida pelo MEC.

Já a historiadora Denise Pini Fonseca, ex-professora da PUC-Rio e coautora de um estudo que visitou mais de 800 terreiros no estado, destaca a influência dos movimentos neopentecostais. “Há um projeto teopolítico que se apropria de símbolos poderosos e elege as religiões de matriz africana como alvo”, avalia.

O pesquisador João Luiz Carneiro, doutor em Ciências da Religião pela PUC-SP, reforça que os dois fatores estão interligados. “O racismo e o discurso neopentecostal se alimentam e fortalecem no imaginário popular a ideia de que o praticante das religiões africanas é sujo, faz o mal, é macumbeiro”, explica.

Dados preocupantes e subnotificação

O relatório da CCIR compilou dados locais, nacionais e acadêmicos. O Disque 100, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, registrou 697 casos de intolerância religiosa entre 2011 e 2015, concentrados em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

No Rio, o Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (Ceplir) contabilizou 1.014 ocorrências no mesmo período, sendo 71% contra praticantes de religiões afro-brasileiras, 7,7% contra evangélicos, 3,8% contra católicos, 3,8% contra judeus ou pessoas sem religião e 3,8% em ataques à liberdade religiosa em geral.

Um estudo da PUC-Rio sugere que a subnotificação é expressiva. Das lideranças de 847 terreiros ouvidas, 430 relataram casos de intolerância, mas apenas 160 notificaram formalmente, e só 58 resultaram em ações judiciais. A maioria das agressões (70%) é verbal, com ofensas como “macumbeiro” e “filho do demônio”. Mas também são comuns pichações, postagens ofensivas na internet, invasões, furtos, destruição de símbolos religiosos e até incêndios e agressões físicas.

Casos cotidianos de discriminação

Luiz Fernando Barros, de 52 anos, relata episódios recorrentes de intolerância nos 37 anos em que atua como religioso da umbanda. “Já colocaram minha roupa branca no trabalho e quiseram caçoar. Nossos filhos não podem usar as contas na escola. Já quebraram estátuas no meu templo e tentaram invadir”, conta.

Ele e outros líderes religiosos precisaram reforçar a segurança em seus terreiros. Pai Costa, de 63 anos, sofreu três invasões e precisou investir R$ 4.500 em sistemas de vigilância.

Pai Márcio de Jangun, babalorixá e advogado, lembra que a discriminação muitas vezes é sutil: “Já me recusaram vender flores por saberem que seriam usadas em rituais. No transporte público, as pessoas se levantam ao perceberem nossa religião”.

Esses ataques acontecem todos os dias, afetando diretamente a liberdade e a dignidade dos praticantes.

O relatório também inclui episódios de intolerância contra outras religiões. Entre eles, a invasão e depredação do centro de umbanda “A Caminho da Paz”, no Cachambi (RJ), em fevereiro de 2015, e a destruição de estátuas no Distrito Federal. Há ainda casos como o de crianças judias insultadas durante competições esportivas na Lagoa, no Rio, e o de uma professora de teatro atacada com uma pedrada ao ser chamada de “muçulmana maldita”, logo após os atentados contra a revista Charlie Hebdo, na França.

O papel do Estado e a urgência de políticas públicas

Ivanir dos Santos, babalaô e presidente da CCIR, responsável pela redação do relatório, ressalta que a ausência de dados nacionais consistentes e a subnotificação são indicativos de que o tema ainda não é tratado com a seriedade necessária no Brasil.

“Há avanços isolados no Rio, em São Paulo e na Bahia, mas ainda estamos muito aquém do que precisa ser feito”, afirma o religioso, que recebeu em 2014 o Prêmio Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República.

Entre as demandas do movimento está a implementação de políticas públicas efetivas e o cumprimento da legislação que tipifica o crime de intolerância religiosa. No Rio, apesar de uma lei estadual de 2011 prever a criação da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, o governo admite que “não há previsão” para sua instalação.

Enquanto isso, estados como São Paulo e o Distrito Federal já contam com delegacias especializadas.

“Isolado, mas preocupante”

A CCIR espera que a ampliação do relatório contribua para nacionalizar o debate e impulsionar medidas concretas de combate à intolerância religiosa no país.

Mais de 70% dos casos de intolerância religiosa no Rio de Janeiro são direcionados a praticantes de religiões de matriz africana, como umbanda e candomblé. Foto: Divulgação


Por: Lucas Reis

Foto: Divulgação

Noticias Relecionadas

Filme brasileiro conquista Cannes com prêmios de melhor direção e atuação

“O Agente Secreto”, dirigido por Kleber Mendonça Filho e estrelado por Wagner Moura, se destacou entre os grandes nomes do

Dívidas parceladas de ICMS, IPVA e ITCD vencem dia 26

Os débitos parcelados de ICMS, ITCD e IPVA referentes ao mês de maio vencem na próxima segunda-feira (26/5). Ao todo,

Ancelotti se despede do Real Madrid com homenagem no Bernabéu antes de assumir Seleção Brasileira

Em jogo de despedida, treinador italiano se emociona; Modric também foi celebrado pelos torcedores Prestes a iniciar uma nova fase

Felca amplia embate contra divulgadores de apostas e mira Bianquinha após críticas de Virginia

Influenciador reage a provocações e acusa Bianquinha de “má-fé” ao defender propagandas de jogos O influenciador Felca segue firme em

Mulher é presa sob acusação de planejar assassinato do ex por disputa sobre imóvel vendido

Suspeita teria ordenado o crime após o ex-companheiro vender uma casa sem consultá-la; ela fugiu do Brasil após o homicídio,

Corpo de goiana morta no Japão chega a Goiânia e família prepara despedida

Amanda Borges, de 31 anos, foi encontrada morta em Narita; velório ocorre em Goiânia e sepultamento será neste sábado, em

Xiaomi lança chip revolucionário e desafia Apple e Qualcomm; governo chinês celebra conquista

Processador Xring 01 marca estreia da empresa no segmento premium e acende alerta geopolítico nos Estados Unidos A Xiaomi anunciou

Goiás, Atlético e mais 18 clubes anunciam boicote à eleição da CBF

Nota conjunta critica falta de transparência e defende mudanças no processo eleitoral Goiás, Atlético-GO e outros 18 clubes das Séries

Receita alerta: um terço dos brasileiros ainda não declarou IR a menos de uma semana do fim do prazo

Declaração deve ser enviada até às 23h59min59s da próxima sexta-feira (30); saiba quem precisa declarar Faltando menos de uma semana

GCM de Senador Canedo recebe 10 novas viaturas

Veículos reforçam patrulhamento preventivo e programa de proteção às mulheres A segurança pública de Senador Canedo ganhou um importante reforço

Aumento do IOF encarece viagens internacionais, crédito e previdência; veja o que muda

Nova alíquota eleva custos de operações financeiras no exterior e exige maior planejamento; mudanças impactam turistas, empresas e investidores O

Daniel Vilela destaca compromisso do Governo de Goiás com excelência na gestão pública em seminário sobre governança

Evento reúne especialistas e servidores para fortalecer políticas públicas eficazes e consolidar Goiás como referência nacional e internacional O vice-governador