Foto: Reprodução/Comunicação/MPF
Será que nos damos conta das comodidades da vida moderna? Aquelas facilidades que raramente são notadas, pois estão profundamente inseridas no nosso cotidiano, como água, energia e saneamento básico? Quem pode ficar sem funcionalidades tão essenciais para a vida? As pessoas em situação de rua. Elas vivem todos os dias sem acesso a instalações e serviços básicos porque não possuem moradia. Foi com essa reflexão que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) iniciou, nesta sexta-feira (4), o Ciclo de Webinários sobre População em Situação de Rua, com o tema O Papel dos Mutirões. O evento foi organizado pelo Grupo de Trabalho Seguridade Social e População em Situação de Rua da PFDC e faz parte do Projeto Encontros da Cidadania.
Na abertura do evento on-line, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, afirmou que o termo mais preciso para esse cenário é indignidade. E essa indignidade vem atingindo cada vez mais pessoas. Segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), existem mais de 280 mil pessoas vivendo em situação de rua no Brasil, aumento de 211% apenas na última década.
“O cenário visto em nossas ruas decorre de uma decisão coletiva de excluir essas pessoas das paisagens urbanas, vivendo muitas vezes com problemas mentais ou padecendo de dependência química”, ressaltou Vilhena. Ele citou ainda casos de remoção da população à força por agentes públicos em calçadas em São Paulo, com o uso de jatos de água, recolhimento de pertences pessoais e até mesmo barreiras arquitetônicas para que as pessoas não se fixem em locais públicos.
Mutirões – Organizados em diversas cidades brasileiras, como ação conjunta de várias entidades, os mutirões oferecem às pessoas que vivem em situação de rua orientações e documentos que as permitam exercer direitos com mais plenitude. “Os mutirões auxiliam essa população a recuperar a sua cidadania. A maioria de nós não tem ideia do que essas ações fazem na vida dessas pessoas”, afirmou Vilhena.
Mediadora do evento, a procuradora da República Samara Yasser Yassine Dalloul destacou que os mutirões não podem ser um evento único e isolado. “As pessoas que vivem em situação de rua ainda têm muito receio de se aproximar do Ministério Público e da Justiça. É necessária a continuidade das ações para aumentar essa confiança nas instituições que participam dos mutirões”, pontuou.
A juíza federal Luciana Ortiz também ressaltou a importância de continuidade aos atendimentos pelas instituições após os mutirões para que os objetivos sejam alcançados: “Não podemos mais conceber órgãos que trabalham isoladamente, precisamos trabalhar em rede interinstitucional”.
A debatedora destacou ainda a necessidade de se desmistificar estereótipos das pessoas que vivem em situação de rua. “Precisamos ter empatia, entender quem realmente é esse público. São pessoas que estão tentando uma porta de saída das ruas, ao contrário do perfil desenhado pela população. São pessoas que precisam ter direito à liberdade, para que possam gerir a própria vida”, defendeu a juíza.
Os estereótipos também são combatidos pela procuradora regional da República Priscila Schreiner. “Crescemos com preconceito. As pessoas que vivem em situação de rua são invisíveis não só porque não possuem documentos, mas porque nós mesmos não as enxergamos”. A procuradora reforçou que “é necessária a sensibilização não só dos órgãos públicos, mas da sociedade como um todo”.
Papel do MPF – Para a juíza federal Luciana Ortiz, a atuação do Ministério Público deve priorizar emergencialmente a solução de problemas que impedem o cadastramento social das pessoas que vivem em situação de rua para que recebam benefícios e possam se inserir social e politicamente. “É uma questão estrutural, que demanda o esforço de instituições e que pode ser coordenado pelo MPF”, opinou.
Outro ponto sugerido pela juíza federal é que o MPF atue em questões urgentes decorrentes da situação precária em que vivem indígenas estrangeiros, especialmente na região Norte do país. “Isso é um problema do MPF. Temos outras questões, mas essas são as principais. São questões estruturais que estão empurrando essas pessoas para a situação de rua”, ressaltou Luciana Ortiz.
Exclusão digital – As participantes chamaram atenção para a dificuldade de acesso às tecnologias por pessoas que vivem em situação de rua. Para elas, a disponibilização cada vez maior de procedimentos somente pela Internet inviabiliza o acesso da população a documentos e direitos. “Ninguém é contra a tecnologia, mas, se vamos implementar tecnologias, precisamos pensar na população que não tem acesso. Os serviços não podem funcionar apenas de forma digital”, afirmou a procuradora Priscila Schreiner.
Próximo evento – O próximo debate do Ciclo de Webinários sobre População em Situação de Rua será em 18 de agosto, com o tema Moradia Primeiro: Housing First. A data é uma alusão ao Dia Nacional da População em Situação de Rua, celebrado em 19 de agosto. Em 2004, a data foi marcada pelo episódio conhecido como Massacre da Sé, em que sete pessoas em situação de rua foram brutalmente assassinadas e oito ficaram feridas enquanto dormiam na Praça da Sé, em São Paulo.
O Projeto Encontros da Cidadania tem por objetivo a realização de eventos virtuais com foco nos debates de temas relacionados à defesa dos direitos humanos. Desde o início do projeto, mais de 30 webinários já foram realizados. Todos eles ainda podem ser assistidos na playlist do Canal MPF no YouTube.
FONTE: MPF