Lula oficializa o equivalente a três cidades de São Paulo em áreas protegidas na Amazônia, mas Terras Indígenas já prontas para conclusão de demarcação chegam a 66
Para celebrar o Dia da Amazônia, nesta terça-feira (5), o governo federal lançou um pacote de ações ambientais, incluindo a regularização de cinco áreas protegidas e a ampliação de outras duas, totalizando mais de 454,4 mil hectares sob proteção federal na região, extensão equivalente a três vezes a cidade de São Paulo (saiba mais no quadro abaixo).
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou os decretos de homologação (a última etapa do processo de demarcação) da Terra Indígena (TI) Rio Gregório, de 187 mil hectares, dos povos Katukina e Yawanawá, no município de Tarauacá (AC), e da TI Acapuri de Cima, com 19 mil hectares, do povo Kokama, em Fonte Boa (AM). As duas TIs abrangem uma população de cerca de mil pessoas (leia mais no quadro ao final da reportagem).
Também foram destinados quase 20 mil hectares para a regularização da TI Valparaíso (AM) e outros 2,5 mil hectares para a TI Kanela do Araguaia (MT). Um hectare mede, mais ou menos, um campo de futebol.
Apesar disso, Lula continua sem cumprir integralmente a promessa de homologar 14 TIs já prontas para isso, listadas ainda durante a transição do governo. Mais longe ainda está de cumprir a outra promessa, feita em abril, quando homologou seis territórios, de acabar com as pendências dos procedimentos demarcatórios até o fim de seu mandato (saiba mais logo abaixo).
Havia a expectativa de que outras áreas fossem oficializadas, em agosto, na Cúpula da Amazônia, em Belém, mas isso acabou não acontecendo. Fontes do próprio governo apontam que a Casa Civil estaria vocalizando as pressões políticas contra os processos demarcatórios e dificultando seu andamento. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, disse ao jornal Folha de S.Paulo que os seis territórios restantes devem ser homologados até o fim do ano.
Na cerimônia no Palácio do Planalto, nesta terça, como já havia feito em abril, Lula reconheceu que é preciso acelerar a tramitação dos processos e voltou a prometer que irá fazê-lo. “Vocês sabem que o governo tem de fazer mais e vocês sabem que nós vamos fazer mais”, afirmou.
“Temos um grande passivo de demarcação de terras indígenas e titulação de quilombos nas gavetas do poder público, mas o anúncio de hoje é para comemorar”, afirma a assessora do ISA, Adriana Ramos.
“Ao celebrar o dia da Amazônia com um conjunto de medidas que inclui a oficialização de áreas protegidas e ações de regularização fundiária, o governo dá mais concretude ao que o presidente Lula vem destacando como compromisso de seu governo”, conclui.
UCs federais
Também foram assinados os decretos de criação da Floresta Nacional (Flona) do Parima, com 109,4 mil hectares, e de ampliação da Estação Ecológica de Maracá, em 50,7 mil hectares, que alcança agora 154,2 mil hectares, ambas em Roraima. Junto com a Flona de Roraima (instituída em 1989), as duas áreas formam agora um escudo que pode proteger contra invasões a fronteira leste da TI Yanomami, que ainda enfrenta uma crise humanitária sem precedentes (veja os mapas acima e mais abaixo).
O presidente anunciou ainda a ampliação do Parque Nacional do Viruá, também em Roraima, em 66 mil hectares ‒ a Unidade de Conservação (UC) soma agora mais de 281 mil hectares. A proteção das novas áreas no estado faz parte de um acordo realizado, em 2009, para a transferência de terras federais para o governo roraimense.
A Flona do Parima é a segunda UC criada por Lula: em junho, ele oficializou o Parque Nacional da Serra do Teixeira (PB), com 61,1 mil hectares. Antes dele, a última UC federal havia sido formalizada em 2018. Somando as outras TIs e UCs oficializadas até agora, a terceira gestão de Lula alcança a marca de mais de 1,1 milhão de hectares protegidos ou o equivalente a quase duas vezes a extensão do Distrito Federal.
Pacote ambiental do Dia da Amazônia
‒ Homologação da TI Rio Gregório (AC), de 187 mil hectares, e da TI Acapuri de Cima (AM), com 19 mil hectares
‒ Destinação de 19,9 mil hectares para a regularização da TI Valparaíso (AM) e de 2,4 mil hectares para a TI Kanela do Araguaia (MT)
‒ Criação da Floresta Nacional do Parima (RR), com 109,4 mil hectares
‒ Ampliação do Parque Nacional do Viruá (RR) em 66 mil hectares
‒ Ampliação da Estação Ecológica de Maracá (RR) em 50,7 mil hectares
‒ Programa União com Municípios, com promessa de R$ 600 milhões, até 2025, para prefeituras que reduzirem o desmatamento
‒ Programa Florestal Viva, com promessa de R$ 500 milhões não reembolsáveis do BNDES e iniciativa privada para restauração florestal, em até três anos
‒ 1º edital do programa Floresta Viva, com R$ 26,7 milhões em recursos não reembolsáveis para apoio a até nove projetos de restauração florestal e fortalecimento de cadeias produtivas associadas na Bacia do Xingu
‒ Retomada do funcionamento da Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA)
‒ Repasse de terras de seis UCs federais em Roraima, somando 3,6 milhões de hectares, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para o ICMBio (uma das últimas etapas da regularização fundiária das UCs)
‒ Entrega de 534 títulos para agricultores familiares de São Gabriel da Cachoeira (AM)
‒ Declaração de interesse da Funai em 3,81 milhões de hectares para reconhecimento de TIs na Amazônia
‒ Declaração de interesse do MMA em 3,75 milhões de hectares para futura criação de UCs e concessão florestal
Promessa de R$ 1,1 bilhão
Outro anúncio feito pelo governo foi o de um novo programa que pretende incentivar os municípios da Amazônia a reduzir suas taxas de desmatamento e degradação florestal. O governo promete liberar, até 2025, R$ 600 milhões do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Os municípios que mais reduzirem o desmatamento vão ter acesso a um maior volume de recursos para investir em ações de regularização fundiária e regularização ambiental, restauração agroflorestal, atividades produtivas sustentáveis”, explicou o secretário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), André Lima, em entrevista ao ISA, ao final da cerimônia no Planalto.
De acordo com ele, a ideia é comprometer, além das prefeituras, também deputados, senadores e vereadores com o programa, inclusive com emendas parlamentares destinadas ao combate ao desmatamento e que servirão como contrapartida aos recursos do BNDES. Lima informa ainda que o ministério pretende acelerar a redução das taxas de destruição da floresta nesses municípios, até a realização da Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP-30), em Belém, em 2025, como uma vitrine para a captação de mais recursos internacionais para esse fim.
Ainda na cerimônia no Planalto, a diretora socioambiental do BNDES, Tereza Campello, informou que o banco está lançando um edital de R$ 26 milhões para o reflorestamento de 1,5 mil hectares em TIs, UCs e áreas de agricultura familiar na Bacia do Rio Xingu. A medida faz parte do programa Floresta Viva, que pretende captar e ofertar R$ 500 milhões em recursos não reembolsáveis, em até três anos, para atividades de restauração florestal e o fortalecimento de cadeias produtivas a elas associadas. De acordo com Campelo, metade do montante será oferecido pelo banco e a outra metade pela iniciativa privada.
Como fez em relação às demarcações, Lula também prometeu ampliar as ações de combate ao desmatamento. “Nós vamos provar que aqueles que acham que têm de derrubar uma árvores para ganhar dinheiro são muito mais ignorantes do que espertos. Porque ele pode ganhar muito mais dinheiro com a floresta em pé”, disse.
O presidente voltou a dizer que pretende formar um grupo composto pelos países amazônicos, mais a Indonésia e o Congo, com um posicionamento único nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas, para pressionar as nações desenvolvidas a cumprirem a promessa de ofertar US$ 100 bilhões ao ano para conservar as florestas tropicais.
Como vem fazendo recentemente, o presidente, no entanto, acenou aos governadores da Amazônia, quase todos mais ou menos alinhados a bolsonaristas e ruralistas, e voltou a destacar a necessidade de promover o desenvolvimento econômico da região. “O povo da Amazônia tem pressa de conquistar oportunidades, de ter apoio para empreender e produzir. O povo da Amazônia tem pressa de viver em uma economia dinâmica para encontrar mais e melhores empregos”, apontou.
Desafios para as demarcações
Considerando processos já abertos na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o país tem hoje 740 TIs. Com as homologações desta terça, passa a contar com 500 TIs com seu processo de demarcação finalizado. Ainda restam, no entanto, 66 TIs declaradas que seguem aguardando pela assinatura do decreto de homologação.
Além disso, ainda há 46 TIs com seus relatórios de identificação já publicados pela Funai e 128 ainda em processo de estudo para produção do relatório de identificação de suas áreas. Ao todo ainda são 240 Terras Indígenas com processo não concluído e, para elas, o futuro ainda é incerto (entenda o processo de demarcação).
Entre as 66 terras declaradas, o tempo médio de espera até a finalização do processo, com a homologação pelo Presidente da República, é de 12 anos. Em alguns casos, como o da TI Acapuri de Cima, homologada nesta terça, a demora chegou a mais de duas décadas: o Ministério da Justiça reconheceu os estudos para sua delimitação e declarou a área em 2000.
“Hoje, 66 áreas já passaram por todas essas etapas do longo processo de demarcação, com investimento de tempo e recursos públicos, e aguardam um ato de confirmação do presidente, com sinais ainda muito tímidos de avanço. Não há mais nada a ser feito nesses processos. Eles já estão prontos. A única explicação para a demora em finalizá-los são as pressões de setores que trabalham para mudar o processo de demarcação”, defende Moreno Saraiva Martins, coordenador do programa Povos Indígenas no Brasil (PIB) do ISA.
Lula precisará acelerar os processos de demarcação e ir além do que foi feito em todos os seus mandatos para cumprir a promessa feita em abril. Para se ter uma ideia, em seu último governo (2007-20100, ele homologou 21 áreas, totalizando 7,7 milhões de hectares, em uma média de pouco mais de cinco homologações por ano. Na primeira gestão (2003-2006), por outro lado, foram homologadas 66 terras, totalizando 11 milhões de hectares e uma média de 16,5 homologações ao ano.
Para cumprir a promessa e acabar com as pendências de 240 TIs que já tem seus processos iniciados, o presidente precisaria homologar 60 áreas por ano, ou cinco por mês, em seus quatro anos de mandato. Atualmente, a média está abaixo de uma homologação ao mês.
Conheça as duas Terras Indígenas homologadas
Rio Gregório (AC)
A TI Rio Gregório é parte do território tradicional dos Yawanawá, povo de língua Pano que vive no município de Tarauacá (AC). Essa é única área destinada a esse povo, e chegou a ter uma parte de sua extensão delimitada em 1984, sendo a primeira demarcação feita no Acre. A homologação realizada, em 1991, deixou de fora partes significativas do território original. Por essa razão, uma nova área foi delimitada, em 2006, e declarada em 2007. A TI possui quase um quarto de sua área sobreposta à Floresta Estadual Rio Liberdade, UC de uso sustentável. Há ainda uma pequena sobreposição, menor que 1%, com a Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade. Atualmente, cerca de 600 pessoas vivem na TI.
Acapuri de Cima (AM)
Terra do povo Kokama, localizada no Amazonas, possui mais de 19 mil hectares e aguarda a homologação há mais de 23 anos. Apesar da ocupação tradicional registrada por ao menos 116 anos, teve seu processo de reconhecimento oficial iniciado só em 1997, com seus limites identificados em 1999, com a aprovação do relatório de delimitação pela Funai. O Grupo Técnico que fez o levantamento fundiário e cartorial só encontrou dois imóveis sobrepostos à TI, em 1998: um terreno do Ministério da Educação, adquirido para a construção de uma escola, e um segundo imóvel de posse de um antigo patriarca de uma das famílias kokama residente na área. Sua população hoje é de aproximadamente 500 pessoas. A TI foi declarada pelo Ministro da Justiça em 2000.
Fonte: Instituto Socioambiental