Ao menos uma em cada 100 crianças é diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA), segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Embora os sinais de alerta possam levar ao diagnóstico ainda na primeira infância, é possível que a neurodivergência seja identificada somente na fase adulta — como aconteceu com a atriz Letícia Sabatella, aos 52 anos.
Muitas vezes, a dificuldade no diagnóstico está associada ao fato de o espectro abranger “graus que podem ser leves e com total independência, apresentando discretas dificuldades de adaptação, até níveis de total dependência para atividades cotidianas ao longo de toda a vida”, de acordo com informações do Ministério da Saúde.
“Se a pessoa tem um transtorno de espectro autista nível um, como costuma ser o caso de quem descobre o TEA na vida adulta, normalmente o que dificulta o diagnóstico é que a intensidade dos sintomas é muito leve”, explica o médico neurologista Alexandre Ribeiro Fernandes. “Isso acaba confundindo até a própria pessoa, se aquilo é um transtorno, alguma coisa que escapa do senso comum e é um sintoma ou se é uma característica individual”.
Além disso, o médico, que coordena o Departamento Científico de Neurologia Infantil da ABN (Academia Brasileira de Neurologia), aponta a inespecificidade dos sintomas como um obstáculo para o diagnóstico.
Nos Estados Unidos, segundo dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) divulgados em 2022, a estimativa é de que 5.437.988 (2,21%) adultos tenham TEA.
No Brasil, os dados sobre TEA são escassos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu uma pergunta sobre autismo no Censo Demográfico 2022. No entanto, até o momento, os resultados não foram divulgados.
Interferência em diferentes níveis
Basicamente, o transtorno é caracterizado pelo desenvolvimento atípico das funções neurológicas do indivíduo. Essas alterações podem interferir, em diferentes níveis, na capacidade de comunicação, linguagem e no comportamento social da pessoa autista.
Também é frequente que os pacientes possuam uma gama restrita de interesses e realizem atividades repetitivamente, mas que variam de pessoa para pessoa.
A OMS indica ainda que é comum que os indivíduos no espectro apresentem outras condições concomitantes, incluindo:
- epilepsia,
- depressão,
- ansiedade
- e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).
A prevalência do transtorno é maior no sexo masculino, sendo quase quatro vezes mais comum nos meninos do que nas meninas, segundo estimativas da Rede de Monitoramento de Deficiências de Autismo e Desenvolvimento dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.
Causas
Até o momento, a ciência não define uma causa para o desenvolvimento do transtorno do espectro autista, mas as evidências apontam para uma interação entre fatores genéticos e ambientais.
Isso significa que alguns fatores podem contribuir para o desenvolvimento do TEA em pessoas geneticamente dispostas como
- exposição a agentes químicos,
- deficiência de vitamina D e ácido fólico,
- uso de substâncias (como ácido valpróico) durante a gestação,
- prematuridade (com idade gestacional abaixo de 35 semanas),
- baixo peso ao nascer (menos 2,5 kg),
- gestações múltiplas,
- infecção materna durante a gravidez
- e idade parental avançada .
Sobre a impressão de atualmente haver mais pessoas autistas, o neuropediatra Rudimar Riesgo, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, explica que há estudos que apontam para o aumento na prevalência do transtorno, ou seja, no número de casos constatados em uma população em um determinado período de tempo.
Segundo o médico, a rápida circulação de informações, principalmente com o surgimento da internet, pode ser responsável pelo acontecimento. Além disso, Riesgo também cita as mudanças nos critérios de diagnóstico feitas pela Associação Americana de Psiquiatria. O manual de diagnóstico mais recente é o DSM-5, lançado em 2013.
Mas essas não devem ser as únicas causas para o aumento na prevalência do transtorno, diz o especialista. “Tem algo a mais que a gente ainda não sabe explicar, muito provavelmente algum fator ambiental que possa responder por, pelo menos, parte desse aumento.”
O neuropediatra ressalta, porém, que a difusão das informações não pode ser um incentivo para as pessoas se autodiagnosticarem. “É importante ter um laudo feito pelo médico, alguém que se responsabilize por aquilo”, explica.
Mas como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico de TEA é feito de maneira clínica, a partir de observações, entrevistas e aplicação de instrumentos específicos, não havendo nenhum exame laboratorial que o identifique.
Uma curiosidade descrita por Riesgo é que, “nas meninas, é mais difícil fazer o diagnóstico”. “Por isso que o diagnóstico tardio é mais comum nas mulheres, porque as meninas conseguem, até sem saber, mascarar os sintomas”.
Apesar de não haver uma cura para o transtorno, ambos os especialistas descrevem a importância do diagnóstico.
Com o laudo, o médico é capaz de montar uma equipe interdisciplinar personalizada para acompanhar as necessidades de cada paciente. Se a criança não fala, por exemplo, ela será encaminhada para um fonoaudiólogo.
“Os casos graves, sem intervenção intensiva, podem levar algumas crianças a não adquirir a fala. Aquelas que não tiveram o diagnóstico precoce ou que têm o quadro muito grave, se não receberem ajuda cedo, podem não ter independência na fase adulta”, explica Riesgo.
Nos casos mais leves, o diagnóstico também interfere na qualidade de vida do indivíduo.
“Você deixa de se achar estranho, deixar de se achar esquisito, e descobrir que aquilo tem um motivo, traz um conforto muito grande. A pessoa passa a se sentir respaldada por estar passando por aquilo”, aponta Fernandes.